9.8.11

Ajuda alimentar gera fome

 
Foi um acaso estar a ler um artigo sobre a Somália quase no mesmo dia em que saiu a notícia de que o governo dos Estados Unidos enviou uma ajuda humanitária ao país em questão (ver aqui; para ver as realmente terríveis fotos sobre a situação do país, aqui; mas, de boa, acho que não vale a pena olhar... ou vale, sei lá...)

Depois de pensar um pouco, resolvi escrever um textículo sobre o que veio em mente.

A ajuda econômica dos EUA não é uma ajuda humanitária. É, sim, uma política de Estado. Uma política imperialista.

Desde o século XIX o EUA subsidia a produção interna de grãos e carne para serem revendidos no mercado internacional a preços baixos. O objetivo desta política é o de capturar diferentes mercados nacionais de alimentos. A crise da triticultura do Rio Grande do Sul dos anos de 1820 não se deveu apenas à praga conhecida como "ferrugem", mas também à concorrência do trigo estadunidense. 

No pós-II Guerra, a ajuda econômica oferecida por meio do Plano Marshall impunha a obrigação de o país receptor utilizar parte do empréstimo na compra dos produtos norte-americanos. Os Estados europeus, em algum tempo, conseguiram se livrar desse entrave à produção alimentar interna. No entanto, os Estados do Terceiro Mundo, não, e tiveram sua produção agrária severamente afetada com a avalanche de soja e milho em seus mercados.

Nos anos 80 e 90, esse processo se intensificou com a generalização das reformas impostas pelo FMI e Banco Mundial. A Somália é um (triste) bom exemplo. Era um país composto por uma população majoritária de camponeses e pastores, que era base de um mercado interno que garantia a auto-suficiência alimentar. Com a implementação das reformas a partir de 1981, gerou-se a crise econômica e social que assola o país até hoje. A moeda nacional foi desvalorizada, enquanto que sua emissão foi congelada; estas medidas levaram à inflação, que causou um aumento nos preços dos combustíveis, dos fertilizantes, dos insumos agrícolas e pecuários. O mercado foi desregulamentado, de modo a permitir a livre entrada de produtos importados, ao mesmo tempo em que aumentava a "ajuda" alimentar norte-americana e européia. O preço dos alimentos produzidos no país por camponeses e pastores aumentou, enquanto que entravam os baratos grãos e carnes estrangeiros. Isto, aliado a outros fatores (como a redução dos gastos sociais em educação e saúde, junto com a diminuição dos salários reais) levou ao colapso do sistema social e econômico nacional.

Ao olhar algumas das fotos vinculadas ali no Estadão, fico a imaginar que boa parte desses pobres errantes eram camponeses ou cuidavam de pequenos rebanhos, e com isso se mantinham. A fome não é um fato natural entre os homens. Especialmente nos países assolados pelas medidas de "austeridade fiscal" dos FMI-BM, a fome é pensada, planejada. A fome é criada artificialmente e atende a interesses escusos. Enquanto que o FMI globaliza a pobreza, a mídia corporativa se empenha em defender que a fome na África (e em outros países do Terceiro Mundo) é endêmica, natural.

Duas interessantes leituras sobre o assunto são:  
CHOSSUDOVSKY. A globalização da pobreza: os impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial. São Paulo: Moderna, 1999.
e
FRIEDMANN, H. The Political Economy of Food: a global crises. New Left Review, London, n.197, 1993.

Um comentário:

Aline disse...

Não consegui terminar de olhar as fotos do estadão.
Ótimo texto! Ótimas dicas de leitura!