23.2.07

Auto-ajuda

Minha intenção ao escrever o último texto não foi de criar uma nova meta-narrativa, explicar o mundo todo num textinho e sair roubando pirulito de criança pela rua (se bem que não deixa de ser uma boa idéia...)
Não foi também um texto escrito por um aristocrata, que tem prazer em mostrar força desmedida, pisar no fraco, dar mostras excessivas de poder e cobrar as taxas de ban.

É só ler os últimos textos e vai se ver que, pelo contrário, é o texto de um fudido na vida... um alguém que ouve looser manos, digo, Los Hermanos, e passa por cada história que são duas...

Não e não! Não vejo nessas odisséias, esses momentos difíceis, prazer algum. O único prazer que pode haver é o prazer em sofrer - o que é coisa lamentável, diga-se de passagem. O que dá prazer são, na real, as pequenas coisas do dia-a-dia: ir trabalhar, facu, ler, correr, beijo, escrever, sessão da tarde: coisas de um nerd qualquer. O único prazer que os momentos difíceis podem proporcionar são as pequenas conquistas interiores, as pequenas conclusões, as pequenas descobertas, decorrentes de se ter superado tal momento (aparentemente) hostil.

Falo - e vivo falando - dessas coisas difíceis, um tanto duras, não por prazer, mas por necessidade. Pensar o que se passa, ver onde tudo começa, ter um pouco de sinceridade, visualizar de pouco em pouco uma certa auto-superação... uma luz em meio as brumas das 6 horas da manhã de um dia de inverno - nem que seja farol de carro!

Se chamei de Conquista aquele texto, não é pq a finalidade da vida seja vencer, subjugar, ser glorioso. Muito menos quis dizer o que a vida é. Escrevi o texto por pensar ser imperativo enfrentar a nós mesmos nos nossos pequenos e grandes tormentos. É uma batalha que se direciona não para fora, mas para dentro.

Escrevi aquele texto não para "abrir a mente" das pessoas, mas para convencer o meu eu de 14/15 anos, aquele menino sem noção, sem medida, muito religioso e muito apaixonado - um idealista, acima de tudo. Não quero convencer ninguém que deus não existe, que não há bondade nos corações humanos. Meu objetivo único era (me) avisar que tudo tem muita chance a dar errado; nada é certo; uma coisa muito firme, estável, pode evaporar sem se perceber. Nada começa absolutamente bom e perfeito. Tudo que se considera concluído, bom, perfeito, é fruto de trabalho, estudo, suor, erro, cagada, fracasso e muita persistência (e até, às vezes um pouquino de esperança, uma certa convicção interna, tipo sexto sentido). As coisas não são naturalmente ordenados, mas caóticas; de pouco em pouco, com aquelas hostilidades reais ou imaginárias, do dia-a-dia, aprendendo com a tradição, com os outros e com os próprios erros, aprendemos a ordenar as coisas um pouco melhor. A ordem é uma construção. Tudo se conquista de pouco em pouco. Inclusive pode mesmo ocorrer que quando menos se percebe, podemos perder até aquilo que julgavamos ter, como já bem disse o cabeludo dos evangelhos.

Se fosse catalogar aquele texto, não o colocaria como

Filosofia: Metafísica. Ética.

Mas como:

Psicologia aplicada: Auto-ajuda.

21.2.07

A lenta flecha da beleza

A mais nobre espécie de beleza é aquela que não arrebata de vez, que não se vale de assaltos tempestuosos e embriagantes (uma beleza assim desperta facilmente o nojo), mas que lentamente se infiltra, que levamos conosco quase sem perceber e deparamos novamente num sonho, e que afinal, após ter longamente ocupado um lugar modesto em nosso coração, se apodera completamente de nós, enchendo-nos os olhos de lágrimas e o coração de ânsias. (Nietzsche, Humano demasiado humano, aforismo 149, Cia. do Bolso, 2005)

7.2.07

Conquista

Esperar que sejamos felizes; a decepção frente e a desistência da vontade de vida depois de algumas derrotas; achar indigno se dar mal na vida; o medo da dor; achar que as coisas deviam ser melhores: esses são alguns dos pontos de partida do pensamento infantil e metafísico. Ele só tem validade se de fato houvesse uma força criadora sobrenatural que determinasse q a vida tinha de ser um "doce". Mas nem mesmo o deus cristão promete isso, na medida em q afirma que os fudidos na vida devem esperara a justiça do/no céu.

O que sei é que nosso planetinha saiu de um monte de "revoluções". Aquele tal de big-ban; aquelas locuras de junção de lixo espacial que girando geraram o sol; certas explosões no sol que "o levaram" a cuspir os planetas hoje existentes, a passagem bilhões de anos até haver o resfriamento da terra e poder surgir a vida; a sobrevivência de algumas espécies, que depois de muito tempo permitiu o surgimento dos primeiros homos; o desenvolvimento do homo sapiens e sua supremacia sobre a natureza depois de cem mil anos; nas comunidades humanas a sobrevivência se dá pela superação de outras comunidades que visam os mesmos recursos primários; a luta contra seis milhões de espermatozóides pra chegar até o ovário.

Nisso acabo vendo a (minha) verdade sobre a vida: "a vida não é de brincadeira, amigo", como já diria o poeta e eu repito pela enésima vez. Luta, conflito, instinto de sobrevivência, vontade de poder: "crueldade!" na nossa concepção burguesa e cristã de pensar...

Mas sou sincero, fiquei chocado com as cenas verdadeiramente humanas de caça e subjugamento do filme do Gibson, Apocalipto. Só o mais infantil não pode reconhecer que a crueldade é humana, demasiadamente humana.

E se o mundo não seguisse sua linha caótica, hoje não estariamos aqui. Somos todos nós filhos do caos que permitiu nosso nascimento, e é a partir desse caos que devemos organizar nossa vida. Achar "se não estiver feliz, não quero viver" é coisa bem de quem não tem um mínimo de noção histórica. Agora, dizer "eu quero ser feliz e vou fazer todo possível para isso, apesar dos pesares", já é coisa bem distinta, bastante nobre - e por isso mesmo bastante imoral.

Arrisco o sentido da vida: conquistar o que se tem vontade! uso conquistar, e não conseguir, justamente para expressar que o meio para se conseguir o que se quer passa pela guerra contra algo ou alguém, logo, Conquista!
(Inclusive, esse alguém contra quem se vai lutar somos nós mesmo. Nós, os medrosos, que o digamos!)

Percepção

Uma verdade da percepção: aos iguais se ama, aos grandes se adora e aos pequenos se pisa. E não esquecer: a percepção do outro nunca é objetiva, é sempre determinada pelo nosso olhar, num dado contexto e num dado campo da vida social. (A amada de hj pode ser o pé no saco de amanhã. O mendigo desprezível de ontem pode ser seu pesadelo amanhã).
Talvez por essa potencialidade de cada ser de virar a mesa do nada, cada forma de vida merece certo respeito, ao menos por precaução.

1.2.07

A Clarissa

Ela caminhava com o cotidiano peso muito chato do inferno nas costas. E o pano já tava bem seco. Já há bastante tempo seco. Era noite bem clara, e a cabeça doía com tanta luz de carro e poste. Clarissa - que era seu nome - preferiu tomar uma rua deserta, à direita, pois mais a frente via aquelas porra de guri cheios de porra pra dar. Não queria nada disso essa noite. O corpo queria um pouco de pão. O peito, um lar. Um de verdade, daqueles de pai trabalhador e mãe que faz bolinhos gostosos. A rua não é casa pra ninguém, sentia. Por quê não podia ser igual a merda dessas pati fudida, cheia de grana e caras legais atras delas. "Porra! Imagina acordar com uma família du caralho numa mesa cheia de coisa boa de comer". Por quê não podia ter uma mãe rica e, quem sabe, um pai? "Se as coisas fossem um pouco diferentes...''

Assim longe, devaneando, adormeceu num canto sujo e escondido e escurdo e vazio de gente. Sonhava. Sonhava que era uma menina de rua sem pai. Ao que dizem, seu pai viajara o Brasil todo, homem andado. Do Ceará, onde nasceu, viajara para São Paulo; de São Paulo, decidiu ir para Porto Alegre, lá por volta de 1980. Têm gente que nasce com má sina, como é seu caso de retirante nordestino. A mãe é mesmo gaúcha, desde não sabe quando puta e alcóolatra. Não era bem um sonho, era mais um pesadelo - sonhava que era ela mesma. Nisso, ninguém menos que a fada madrinha lhe cutucou o ombro. Linda, vestido azul, gorda, e com a varinha de condão.

"Que queres, minha filha?", pergunta com voz enfadonha aquela dádiva dos contos de fadas. "Que meus pais tivessem condições melhores de vida...". "Assim seja" respondeu a gorda alemoa.

Num passe de mágica, tudo mudou. Seu pai, no Ceará, viu cair chuva suficiente pra dar uma revivida no sertão. Viveu alguns anos bons e acabou por se empregar capataz de um coronél malvado, mas com o salário podia ter uma vida bastante razoável. Teve seis filhas: a Maria do Socorro, a Conceição, Maria do Rosário, a Carolina, a Joana e a Rita de Cássia. A mãe de Clarrisa encontrou, numa mudança de maré quando jovem, a possibilidade de fazer um curso de secretariado. Virou secretária. Não teve filhas. Fim do sonho.

Clarissa acordou. Ficou mais nauseada ainda. Não sabia o que era pior: se essa vida assim - a "sorte" de ter nascido - ou simplismente, a dádiva da fada...

O jeito era encontrar uma gasolina com alguém. Era uma boa encontrar o Migué, também. Só uma gozadinha pra esquecer um pouco.