"O homem de uma era de dissolução e de mestiçagem confusa, que leva no corpo uma herança de ascendência múltipla, isto é, impulsos e escalas de valor mais que contraditórios, que lutam entre si e raramente se dão trégua - esse homem das culturas tardias e das luzes veladas será, por via de regra, um homem bem fraco: sua aspiração mais profunda é que um dia tenha fim a guerra que ele é; a felicidade lhe parece, de acordo com uma medicina e maneira de pensar tranqülizante (epicúrea ou cristã, por exemplo), sobretudo a felicidade do repouso, da não-perturbação, da saciedade, da unidade enfim alcançada, ou "sabá dos sabás", para dizer como o santo retor Agostinho, ele mesmo um desses homens. - Mas se numa tal natureza a contradição e a guerra atuam como uma atração e estímulo de vida mais -, e se, além dos seus impulsos fortes e inconciliáveis, também foi herdada e cultivada uma autêntica mestria e sutileza na guerra consigo, ou seja, no autodomínio e engano de si: então surgem esses homens espantosamente incompreensíveis e inimagináveis, esses enigmas predestinados à vitória e à sedução, cujos mais belos exemplos são Alcíbiades e César (-aos quais eu gostaria de juntar o primeiro europeu a meu gosto, Frederico II de Hohenstaufen), e, entre os artistas, talvez Leonardo da Vinci. Eles surgem precisamente nas épocas em que avulta aquele tipo mais fraco, que aspira ao repouso: os dois tipos estão relacionados e se originam das mesmas causas."
(Nietzsche, Frederico. Além do Bem e do Mal. Aforismo 200. São Paulo: Companhia das Letras, p. 86s.)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário