20.9.08

Sobre o 20 de Setembro

Para ser sincero, nunca me incomodei muito com o tradicionalismo gaúcho. Esse gosto por andar de fantasia de gaúcho ou prenda pelas ruas da nossa urbe durante a semana farroupiha ou bailes dos CTG's; o discurso separacionista; o orgulho das virtudes meridionais em relação ao norte do país, isto é, tudo que está para cima de SC. Até gosto desses hábitos quando aparacem cenas risíveis, como a dos peões de apartamento que vão laçar bezerro nos CTG's. Tudo bem, né? Parece ser bem legal fazer parte de uma tradição inventada na década de 1930, no máximo.

Agora, não consigo tolerar de maneira alguma, em ponto nenhum, aquela musiquinha de nanar chamada Hino Sul-Riograndense. Nem preciso dizer o porquê. Já é do conhecimento de quase todos leitores deste blog - que, por sinal, são poucos... - seu significado mais latente: a glorificação de um dito passado heróico e moral de um povo diferenciado. E botam a criançada para aprender a cantar essa cantiga.

Cara, seria engraçadíssimo se não fosse nossa verdade. Se tudo isso fosse só mais uma historieta antiga de historiador. Mas não é. Aos alunos do ensino fundamental e médio obrigam perder 20 minutos diários para cantá-lo, além dos milhares de trabalhinhos obrigatórios nos quais se devem escrever o texto de cabo a rabo, ao longo dos mais 12 anos escolares. Inclusive nas aulas de educação física, deixava-se de correr ou jogar bola pra copiar esse hineto registrado na contracapa dos livros didáticos.

Caralho! Além de se referir à essa luta entre frações da elite como luta pela liberdade, ainda designa toda população escravizada como sem virtudes. Isto é, bem mais de um terço da população nacional, além de estar na condição de escravizada, ainda por cima não é digna nem de ser tomada enquanto possivelmente moral. É perfeitamente compreensível a produção do texto do hino. Foi escrito em 1935, em ocasião do centenário da Revolta Farroupilha, e adotado pelo Instituto Histórico Geográfico. Essa galera do IHGB, historiadores amadores e muito importantes em termos historiográficos, defensores das idéias raciais e evolutivas próprias de seu tempo.Segundo estes autores, haviam raças distintas e algumas eram mais puras e graduadas que outras. Convém lembrar, o nacional-socialismo do Hitler tomou o poder na Alemanha em 1933. Para aquela época, é compreensível que se pense isso. Mas hoje, num momento em que a situação desfavorável do negro é alvo de críticas e observações cada vez mais pertinentes, cantar o hino ou fazê-lo soar nos diversos espaços, sejam públicos ou privados, me parece, sem tirar nem pôr, uma prática racista. Tão desagradável quanto parte das músicas racistas e homofóbicas da geral do Grêmio.

Querem cantar. Cantem! Só fico imaginando o que pensam os patriótas quando me nego a tomar parte na cantoria.

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