27.12.07

Ontem o pregador de verdades dele
Falou outra vez comigo.
Falou no sofrimento das classes que trabalham
(Não do das pessoas que sofrem, que é afinal quem sofre).
Falou da injustiça de uns terem dinheiro,
E de outros terem fome, que não sei se é fome de comer
Ou se é fome da sobremesa alheia.
Falou de tudo quanto pudesse fazê-lo zangar-se.

Que feliz deve ser quem pode pensar na infelicidade dos outros!
Que estúpido se não sabe que a infelicidade dos outros é deles,
E não se cura de fora,
Porque sofrer não é ter falta de tinta
Ou o caixote não ter aros de ferro!

Haver injustiça é como haver morte.
Eu nunca daria um passo para alterar
Aquilo a que chamam a injustiça do mundo.
Mil passos que desse para isso
Eram só mil passos.
Aceito a injustiça como aceito uma pedra não ser redonda,
E um sobreiro não ter nascido pinheiro ou carvalho.

Cortei a laranja em duas, e as duas partes não podiam ficar iguais.
Para qual fui injusto - eu, que as vou comer a ambas?

(Fernando Pessoa. Poesia completa de Alberto Caeiro. Companhia do Bolso, 2006, p. 129)

20.12.07

Eu X Eu X Eu

Há uma confusão de eu's na mesma pessoa. Uma série de propostas, desejos, métodos e morais diferenciados, às vezes até antagônicas, convive conflituosamente na mesma pessoa. Ao final, à superfície se apresenta a moral, o desejo, a vontade vitoriosa.

E apenas uma deve ser dominante, restando às outras o esgueirar-se pelas ruelas mal iluminadas da psiquê, esperando o momento oportuno para pôr em xeque a "proposta" dominante. A personalidade é uma guerra. Uma guerra de posições diferenciadas, emergidas numa dada situação e em formação constante, com momentos de trégua, situações de aliança, as quais nada podem fazer contra a lógica do "sistema": apenas um pode dominar a superfície. Os indivíduos mais inconstantes, mais vacilantes, mais claudicantes - mais "fraquinhos" -, são os viventes de crises de "personalidade": não tem certeza das próprias sensações, das próprias morais, das próprias vontades, no fim das contas, das próprias decisões.

Há momentos da vida nos quais não se pode pensar muito, a resposta deve ser rápida e a decisão, mantida até segunda ordem. Senão, as conseqüências geradas pela inconsistência e pela indecisão são as mais danosas, as mais insuportáveis. Uma decisão, quando anconrada numa decisão firme, numa moral específica, deve ser mantida até segunda ordem, carregando todos os possíveis empecilhos como adereços da fantasia. Os adereços pesam, podem machucar, mas sem eles a fantasia não é tão bela. A escolha pela beleza pode chegar a ser, mesmo, uma escolha pela "insanidade". Mas a "insanidade" pode ser a racionalidade de quem vê a mesma coisa por outro ângulo ou, até, de quem descobre alguma coisa... nova.

17.12.07

Um dia a mais ou um dia a menos?

Atucanado com o fim do trabalho, levantou os olhos para ver o restante da tarefa. Nada difícil, mas não agüentava mais. Seu humor no serviço variava bastante: ou estava muito emputecido, ou, no mínimo, só estava de saco cheio. Ao levantar os olhos, cuidou para não ficar ofuscado com a luz do sol, manejando o boné de forma a dar sombra à fronte. O trabalho já estava bastante adiantado, faltavam apenas uns 30 metros de cano para alojar e o piche para recobrir o chão. O calor era de lascar, mas nada que o costume não ensinasse a suportar.
Terminadas as atividades, riu um pouco com os colegas e dirigiu-se, junto aos mesmos, para um bar próximo. Já um pouco bêbado, voltou para casa, onde encontrou mulher, filha e mesa posta. Comeu, discutiu mais um pouco com a mulher pelos gastos no bar, se re-entendeu com ela na cama e, depois de um leve sorriso no escuro, sentiu como a vida é boa. Nem mais se lembrava do amanhã, que seria o mesmo dia de ontem.

13.12.07

AS SOBRAS QUE TE MANTÊM VIVO SÃO O QUE GARANTEM TUA
MISÉRIA

3.12.07

Ótima descoberta de blog, pertencente a um amigo meu, o Bruno Ortiz Monllor (sim, este é o nome do blog)